Cuide de sua saúde mental durante a quarentena

Independentemente do grau de adesão que brasileiros destinam à prática da quarentena, a verdade é que muitos países que a adoraram com rigor desde o início da pandemia estão, agora, e depois de muitos dias, flexibilizando as suas ordens de isolamento

SAÚDE MENTAL DURANTE A QUARENTENA

Moro sozinha em Portugal, e desde 18 de março deste ano o governo federal decretou o estado de emergência, com o objetivo de conter o contágio da Covid-19, traçando inúmeras determinações restritivas de liberdade, inclusive a quarentena de todos os seus habitantes. Esta medida vigorou até 2 de maio.

Confesso que precisei exercer muita paciência e criatividade para permanecer quase dois meses inteiros sem poder sair de casa, mas valeu a pena, pois, agora, estamos autorizados a fazermos algumas atividades externas, sempre com máscaras, evitando aglomeração de pessoas, e segundo as regras de relaxamento, as quais, paulatinamente, vão possibilitando a retomada da vida das pessoas e da economia.

Posso lhes dizer que estou bem, e que sou grata a todas as dicas, aulas, vídeos, reuniões virtuais, shows que preencheram os meus dias fechada em casa. Entretanto, preciso lhes contar um fato que me ocorreu durante este período e que me chamou a atenção.

Prestes a terminar a segunda semana de quarentena, senti uma irritação imensa por ser proibida de sair de casa. Fiquei chocada comigo mesma. Passados alguns dias, pasma, constatei que amigos estavam tendo este mesmo sentimento. Isso não podia ser só uma coincidência. Decidi pesquisar a respeito e, felizmente, encontrei explicação para esta minha recente onda de ira. A raiva é uma das consequências da vida em quarentena.

Esta não é a primeira pandemia que o mundo enfrenta, e, nem esta é a primeira quarentena que se tem notícia. Impossível, portanto, que cientistas e pesquisadores já não houvessem estudado a respeito do impacto psicológico do confinamento em seres humanos, e que já não estivessem desenvolvendo novas pesquisas sobre este tema, inclusive, sobre seus efeitos no público 60+.

Felizmente, quando as autoridades de saúde resolverem cuidar destas sequelas, poderão contar com este material científico idôneo que encontrei, o estudo do King’s College London, “O impacto psicológico da quarentena e como reduzi-la: revisão rápida das evidências”, publicado na revista médica “The Lancet”, em fevereiro passado. Esta análise foi elaborada após a sucessão de ordens de quarentena, determinadas aos primeiros países duramente atingidos pelo SARS-CoV-2.

Sete pesquisadores, Samantha K Brooks, Rebecca K Webster, Louise E Smith, Lisa Woodland, Simon Wessely, Neil Greenberg, Gideon James Rubin, todos associados ao departamento de medicina psicológica do King’s College London, basearam suas descobertas em 24 estudos realizados anteriormente em 10 países, cujas populações estiveram em quarentena após surtos de vírus mortais, incluindo Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), Ebola, influenza H1N1 (gripe suína), doenças respiratórias no Oriente Médio. síndrome (MERS) e gripe equina (gripe equina).

A vida em quarentena pode, sim, afetar negativamente sua saúde mental, causando estresse pós-traumático, confusão e até raiva, aponta este estudo, Tais efeitos, podem ser detectados meses ou anos depois.

Se por um lado a ordem da quarentena deva ser adotada, e rigorosamente respeitada, é de rigor que as autoridades, e a sociedade, atentem aos efeitos negativos dela decorrentes, e ofereçam meios de mitigação de seus efeitos, sem prejuízo de apresentarem, já, ações de prevenção contra doenças mentais futuras.

 

Estressores durante a quarentena

A teor dos dados coletados no estudo, os fatores que causam os males às pessoas submetidas a longas quarentenas incluem medos de infecção, frustração, tédio, falta de suprimentos adequados em casa, perda financeira e a estigmatização daqueles em isolamento.

Mas outros fatores também contribuem para os danos às mentes dos confinados. “Notícias falsas, ou equivocadas, podem alimentar a ansiedade“, afirmou o professor Neil Greenberg, um dos autores do trabalho.

 

Algumas consequências

Participantes das pesquisas que fundamentaram o citado estudo relataram que a perda da rotina habitual e a redução do contato social causaram tédio, frustração e uma sensação de afastamento do resto do mundo.

Viver ilhado pode também ter efeitos negativos a longo prazo, incluindo o desenvolvimento de abuso de álcool e outros sintomas de dependência. Dois estudos que analisaram os efeitos deste tipo de isolamento relacionados ao vírus da SARS mostraram que alguns indivíduos desenvolveram sintomas de dependência que persistiram até três anos após o surto da SARS.

 

E como vamos lidar com isto?

Além de listar os problemas psicológicos e mentais que podem surgir naqueles em quarentena, os pesquisadores apresentaram algumas práticas que podem ajudar a reduzir, ou mesmo impedir, as consequências do isolamento.

 

Reduza o tédio e melhore a comunicação

Tédio e isolamento causarão angústia; as pessoas em quarentena devem ser orientadas sobre alternativas para evitar o tédio, e receber conselhos práticos sobre técnicas de enfrentamento e gerenciamento do estresse.

CUIDE DE SUA SAÚDE MENTAL DURANTE A QUARENTENA 2Ter um telefone celular funcionando agora é uma necessidade, e não um luxo. Redes de Wi-Fi robustas com acesso à Internet para permitirem que os confinados se comuniquem diretamente com entes queridos podem reduzir sentimentos de afastamento, estresse e pânico.

Ativar e manter a sua rede social, ainda que remotamente, tornou-se uma prioridade fundamental, uma vez que a suspensão do convívio social está associada não apenas à ansiedade imediata, mas também ao sofrimento a longo prazo.

Também é importante que as autoridades de saúde pública mantenham linhas claras de comunicação com as pessoas em quarentena sobre o que fazer se sentirem algum dos sintomas decorrentes do contágio. Este serviço mostraria àqueles que estão em quarentena que não foram esquecidos e que suas necessidades de saúde são tão importantes quanto as do público em geral. Apesar destes benefícios não terem sido estudados, os responsáveis pelo relatório entendem que o sentimento de segurança possa reduzir sentimentos como o medo, a preocupação e a raiva.

Forneça aos que estão isolados o máximo de informações possível, observaram os pesquisadores. As pessoas devem entender claramente os riscos que enfrentariam se não estivessem isolados, bem como os motivos pelos quais foram colocados em quarentena.

Reforçar que esforço está ajudando a manter outras pessoas seguras e que as autoridades de saúde são genuinamente gratas a elas, ajuda a reduzir os efeitos nocivos na saúde mental daqueles em quarentena, dizem os especialistas.

 

Dormir, comer bem e exercitar-se

“É hora de tentar dormir bem, comer saudavelmente, exercitar-se o máximo possível e evitar hábitos prejudiciais, como beber ou fumar demais, diz o cientista Greenberg ao reforçar o entendimento de que a manutenção de um estilo de vida saudável deve ser levada a sério.

Finalmente, o estudo deixa um alerta às autoridades contra a prorrogação de quarentenas. “As autoridades precisam definir adequadamente e respeitar a duração de um lockdown, evitando estendê-la.” Fazer o oposto disso seria particularmente prejudicial à saúde mental, disse Greenberg.

O alerta está dado.

Por aqui, mesmo agora em que Portugal inicia a retomada da vida “normal”, e na esperança de que esta doença seja mundialmente controlada, reforçarei o convívio virtual com meus familiares e amigos, continuarei frequentando os cursos online nos quais me inscrevi, manterei a rotina de me exercitar e, acima de tudo, me disciplinarei para não me deixar levar por novos sentimentos negativos que possam surgir. Xô raiva!

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