Psicanalista, Mestre e Doutora em Semiótica pela USP, Edith Modesto, embaixadora da Virada da Maturidade, conquistou com sua tese de doutorado, intitulada “Homossexualidade: Preconceito e Intolerância Familiar”, o primeiro lugar na festa das 100 mil teses da USP. “Desde que eu soube que meu filho era gay, eu me dediquei aos estudos e ao trabalho nessa temática. Minha especialidade é Homossexualidade e Transexualidade”, contou. Depois de um longo tempo dedicado como professora, hoje ela tem seu próprio residencial para pessoas idosas e é conselheira da Eternamente SOU.
Órfã, seu aniversário é em 13 de dezembro, mas o ano é incerto, assim como o local de nascimento, que disseram a ela que seria na cidade de São Paulo. Morou por um tempo em São Carlos, quando o marido, Lauro, com quem casou aos 16 anos, foi dar aula na Escola de Engenharia da cidade. Já com seis filhos, o casal entrou na Justiça para mudar o regime de divisão de bens para a comunhão total, o que abriu jurisprudência para outros casos do tipo.
“Eu tive sete filhos, uma delas é adotiva, e um faleceu aos seis anos de idade por decorrência de câncer. E eu só saí para estudar quando meu caçula tinha seis anos, eu o levava comigo. Nunca deixei meus filhos para ir estudar, eu tinha medo de deixar com os outros. Teve época que eu dava aula em três faculdades, meu marido dava em duas faculdades. Eu dava aula de teatro no Teatro Escola Célia Helena no sábado. Já dei aula em Jornalismo, em Publicidade, Teatro, dei aula no Mackenzie de Cinema, de Arte. Eu adorava dar aula”, disse a embaixadora, que também é escritora e tem 14 livros publicados.
“O meu último livro, “Edith e Lauro”, é sobre a minha história com o meu marido. Ele era engenheiro e professor da Poli e faleceu há um ano e meio com Alzheimer”, explicou. E depois de um tempo vivendo em um residencial com o marido, Edith criou seu próprio espaço, com um trabalho individualizado para cada paciente.
Também atuante na causa LGBTQIA+, ela fundou o Grupo Pais de Homossexuais há cerca de 30 anos, e depois o grupo de jovens, do projeto. “No meu trabalho, eu não falava, só os jovens falavam. Eu conversava com os coordenadores. Eu escolhia e preparava os coordenadores. Juntos, a gente resolvia sobre o que ia falar. A gente escolhia um tema para cada encontro, que acontecia aos domingos. Tinham mais de cem participantes, meninos e meninas. Foi um sucesso. Contra a opinião da maioria da militância, que achou que não ia dar certo, porque imagina uma velha hétero e mãe de família tratando disso. Então, eu conversava com os coordenadores, ouvia eles, a opinião e o desejo de temas a serem tratados eram expostos por todos.”
A embaixadora da Virada da Maturidade também cofundou o Mães pela Diversidade, que tem um papel mais político, conversando diretamente com parlamentares, o que ela considera não ser bem o seu perfil. Edith ainda é conselheira da Eternamente SOU. “Então, eu fiz todo um trabalho pelos e com os homossexuais, por isso que eu também faço parte do Eternamente Sou”.
ENTREVISTA
MATURIDADE X ENVELHECIMENTO
Eu acho a maturidade maravilhosa. Depois que eu fiquei velha, eu me tornei uma mãe melhor, me tornei uma amiga melhor, me tornei uma pessoa melhor. É uma pena que quando a gente consegue ser melhor, morre. Esse poderia ser o ponto negativo. Deveria ser ao contrário, a gente deveria nascer sabendo. Acho que a gente vai aprendendo e é gozado que tem países em que os idosos são respeitados pela sabedoria, mas não é o caso daqui.
De negativo, tem a questão física. Eu estou com dificuldade de andar longas distâncias. Eu faço massoterapia três vezes por semana, por causa do pescoço. Eu nasci com duas vértebras coladas e com a idade, uma coisa que quando você é jovem, não tem importância, começa a ter. Então, minha cabeça começou a cair para frente, e se eu não faço massoterapia, eu começo a ter dificuldade para andar, me dá dor nas costas. O corpo envelhece. Agora, eu tenho muita sorte, porque eu estou com saúde. Eu tenho pressão um pouquinho alta, mas muito pouco, e tenho esse problema. Mas eu não deixo de fazer nada, acordo às 5h30 e pulo a janela para cuidar do meu jardim.
DISCRIMINAÇÃO
Acho que eu nunca senti discriminação etária. Na minha vida eu sempre fiz coisas que ninguém faz, então as pessoas me admiram como se eu fosse um espécime raro. Mas a Organização Mundial da Saúde com essa história de envelhecimento ativo me irrita. O que é esse envelhecimento ativo? É ligadinho ao capitalismo, né? Quer dizer, o idoso tem que trabalhar como eu, que com a minha idade fundei uma empresa e que vou fundar outra esse ano. E os que querem descansar?
Eu tenho um grupo de amigas, maravilhosas, incríveis, que elas têm um grupo de WhatsApp que se chama “Desocupadas”. São mulheres inteligentes, mulheres de bom coração, mulheres maravilhosas. Claro que elas não são desocupadas. Elas são desocupadas do trabalho formal. Elas cuidam da casa, de netos, elas cuidam do marido, fazem crochê, bordam, fazem em tricô, fazem várias coisas, mas elas fizeram questão de colocar o nome do grupo de “Desocupadas”, mas elas não têm valor, porque elas não colaboram para o movimento comercial capitalista.
Aí outra coisa maravilhosa na nossa cultura é essa ideia de que velho não presta, porque só dá trabalho e dá despesa, mas não trabalha. Então, vamos fazer os velhos gastarem. Aí a gente arruma maquiagem para velho. Outra coisa também que é interessante é que a mulher pode ser velha, mas ela tem que ser bonita, bonita e jovem. Então, vamos gastar dinheiro com dermatologista, com procedimento estético, com operação, com cremes caríssimos. A mulher tem que ser bonita e jovem, é a juventude eterna. E os homens têm que ter virilidade eterna, eles têm que ter pinto duro o resto da vida até morrer, porque só se aceita sexo se for com penetração. Se for sem penetração não se aceita sexo, não existe sexo sem penetração.
Mas é interessante isso, porque, na verdade, fica internalizado que sexo é só para ter filho, porque a religião se mistura com os conceitos, com as regras, fica tudo misturado. Então, para gente conseguir ir para o céu, o sexo tem que ser justificado para reprodução. Só que é gozado, porque todo mundo usa anticoncepcional. Todo mundo aceita umas coisas sem pé, nem cabeça. Fazer sexo muda, tem que mudar. Dependendo da idade, vai mudando, até morrer.
A sexualidade vai desde que você nasce até quando você morre. Eu transei com meu marido, ele tinha 92 anos, ele morreu com Alzheimer. Há 10 anos ele tinha Alzheimer. Eu nunca deixei de transar. Agora, ele tinha ereção? Não. Precisa de ereção para transar? Não. Não precisa cortar nada do que eu estou falando, esse mundo tem que mudar! O Brasil tem fama de ser um país para frente, moderno, sexualizado. Mentira! O Brasil é um país é muito sem vergonha, isso sim! Tem esses estrangeiros que vem para estuprar as nossas adolescentes, isso tem. Agora, país moderno, do ponto de vista sexual, imagina! Antiquadíssimo!
A VIRADA DA MATURIDADE
Primeiro, eu fiquei pensando o que significava “virada” para vocês e cheguei à conclusão que é uma mudança. Eu acho ótimo, porque tudo que estão fazendo com os idosos. O que me trouxe para a Virada da Maturidade foi essa ideia de mudança. Porque, por exemplo, você pega o Estatuto da Pessoa Idosa e tem dez pilares. Você pensa que algum pilar é da sexualidade, porque afinal de contas, desde Freud, há mais de cem anos, nós sabemos que a sexualidade nasce e morre com a gente. Não, não tem nenhum pilar. Eu pensei, quando eu li a primeira vez, que ia estar junto com o lúdico, fiquei toda animada. Mas não tem sexualidade.
Então, quando você pensa no nome Eternamente SOU, desse projeto relativamente novo, de idosos LGBTQIAP+, que a pessoa pode não entender, mas faz todo sentido nesse país. Se você quando é velho não tem mais sexualidade, você se torna assexuado, não existe mais homossexual. Então, todo mundo é assexuado. Cadê os homossexuais? Eles voltam para casa das famílias que não os aceitaram, fingem que não são mais homossexuais, é uma tragédia! E a Eternamente SOU fala sobre isso. Se eles são homossexuais, eles são eternamente homossexuais. Se eles são heterossexuais, eles são eternamente heterossexuais. Eu trabalho com gradiente, eu não acho que existe alguém 100% heterossexual, nem 100% homossexual. Eu não sou 100% heterossexual, mas sou até morrer. Quer dizer, eu sou sexualizada até morrer, e como sou! O negócio está muito no começo, tem que ter virado, e virada, e virada, e virada, e virada!
HOBBIES E PRAZERES
Eu adoro jardinagem! Eu misturo as plantas. Eu tenho dedo verde e tudo pega. Eu tenho um espaço aqui que eu chamo de orquidário. Eu queria muito ter feito um curso, mas nunca tive tempo, então eu olho na internet e vou fazendo as coisas assim, meio batendo cabeça, mas dá certo.
Música clássica, adoro ouvir, mas não toco. Meu marido adorava, ele era um ouvinte de primeira. Adorava ópera, fazia coleção de óperas. A gente viajava só para ouvir música. Nós íamos pra Itália, em Verona, onde está o teatro mais famoso do mundo, porque ele é um teatro romano do século I e ele tem, segundo os experts, o melhor som do mundo. Porque eu e meu marido, como nós éramos professores universitários os dois, nós sabíamos viajar.
Meus gostos sempre foram os mesmos, música e plantas. Eu e meu marido compartilhávamos desses gostos. A última vez que nós fomos para Buenos Aires, lá tem o Jardim das Rosas, a gente namorava lá. Aliás, nós chamávamos a atenção aonde a gente ia, porque a gente namorava. A gente se beijava em público, o que é uma vergonha, onde já se viu dois velhos beijando na boca em público, que horror! [risos].
INSPIRAÇÃO
O que eu tenho, que me norteia a vida, não tem nada a ver com a velhice especificamente, mas sim com a vida toda, que é “O amor vence”. O amor sempre vence é o que eu sempre falava quando fazia os grupos para eles, para os pais e as mães, o amor sempre vence.