Desde os 24 anos, Maria Alice Corazza, trabalha com pessoas idosas. Prestes a completar 79 anos, esse ano ela completa 54 anos atuando no segmento. “Estou na ativa ainda e agora estou numa fase muito boa. Morei muitos anos em São Paulo, mas agora estou no interior, a 400 km de São Paulo. Eu vim para cá, porque eu era daqui e agora já está na hora de ficar perto dos netos, dos filhos, que já estão grandes”, contou.
Formada em Educação Física, a embaixadora da Virada da Maturidade criou sua própria metodologia de trabalho, atuando diretamente com pessoas idosas e permaneceu por cerca de 13 anos dando aulas de ginástica para terceira idade na televisão, pós-graduação, e montou uma faculdade da terceira idade. “Aí depois que eu fiz tudo eu falei: ‘Bom, agora eu vou ficar só com os eventos porque senão não estou parando em casa’ (risos), destacou.
Leia os principais trechos da entrevista de Maria Alice
O TRABALHO COM A PESSOA IDOSA
Desde criança eu tive sempre um “tchan” com idoso, porque eu fiquei muito tempo com a minha avó. Fiquei até os 7 anos bem próxima dela e eu vim com esse dom que Deus me deu, que é gostar e saber trabalhar com idoso. Quando eu era pequenininha, eu ia no asilo todo domingo. Eu roubava os rouges e batom da minha mãe e ia pintar as velhinhas. Eu deitava no colo delas, me sentia uma boneca. E quando eu fui fazer faculdade, eu escolhi a Educação Física para dar ginástica para terceira idade.
DESBRAVANDO NOVOS CAMPOS NA EDUCAÇÃO FÍSICA
Naquele tempo, na década de 70, a minha área não me estendeu a mão. Eles diziam: “Você vai quebrar o ossinho deles”, e hoje sabemos que se eles não fazem nada, nenhuma atividade física é que quebram. Hoje eu sou muito respeitada na minha área, mas demorou. As áreas que me deram a mão foram a Psicologia, a Fisioterapia, o Serviço Social. Eu adoro a minha área, mas eu não deixo de falar que na década de 70 foi difícil, mesmo porque não tinha tanto idoso; o pouco que tinha eu já estava trabalhando e eu via que realmente o menos é mais e que eles muitas vezes iam buscar conversa, eles iam buscar carinho.
Eu costumo dizer que um profissional que queira trabalhar com a terceira idade tem que obedecer a quatro pontos importantes: o primeiro chama amor, o segundo chama amor, o terceiro chama amor, e o quarto é perguntar para o seu coração: e tenho paciência de responder 30 vezes a mesma coisa no mesmo tom? Se sim, pronto, você está formado, meu amigo. Você não precisa de mim, nem de ninguém; vai firme porque é isso que precisa.
Então foi muito difícil, foi uma caminhada. Na época, não tinha nada pesquisado e eu falei: “Preciso fazer pesquisa de campo”. Toda a minha metodologia MAC (Maria Alice Corazza) foi feita em cima do idoso. Fui ver o que eles precisavam. Eu nadei muitos anos e tinha também a expressão corporal, a dança. Eu sabia que a música era muito importante, então eu pesquisava a música da época deles. Inclusive, hoje estou adorando que, quando eu vou fazer isso, busco as músicas da minha época (risos).
Assim eu comecei a formar o meu método, pela necessidade do idoso. Quando eu me formei, não aprendi nada nessa área desse jeito, ninguém nem tocava na pessoa. E hoje é o maior mercado de trabalho, mas foi assim que eu comecei; montei minha academia, pus expressão corporal, porque eu sempre gostei, e eu pus natação. Eu também comecei a ser professora particular de pós-infartado ou aquele que tinha derrame. Eu ia nas casas e era professora particular, e eu nem peguei esse nome bonito personal trainer (risos). Era professora particular. Eu ia lá, pegava na mão e eu sabia que isso ia ser mais importante do que o exercício. Enfim, então transformei meu método em psico-físico-social.
A METODOLOGIA MAC – MARIA ALICE CORAZZA
Fui montando a minha ginástica até que um dia apareceu uma senhora com tromboflebite, que já tinha as pernas muito inchadas. Eu dava uma cadeira para ela se sentar, porque não conseguia ficar muito tempo em pé e foi aí que eu descobri a ginástica na cadeira, um dos meus carros-chefes. Eu criei a metodologia em cima disso. No mesmo ano apareceu uma senhora bem obesa com um problema nos dois joelhos e falou: “Meu médico pediu para eu caminhar, mas eu não aguento me sustentar”. Como eu tinha sido nadadora, sabia o efeito da água e propus para ela caminhar na água. Comecei e a academia inteira adorou. Assim eu criei a ginástica na água, que hoje é hidroginástica, mas eu não registrei nada. Isso foi em 1972 e, em 1986, veio um americano como autor da hidroginástica. Eu criei com os idosos em 1972, mas com o nome de “ginástica na água”. Hoje eu coloco hidroginástica para terceira idade, o nome ajuda na divulgação, mídia, etc.
Eu estou contando tudo isso para mostrar que eles me deram essa metodologia que está durando 54 anos. Eu vi que eles gostavam muito de dançar e de música também e fui estudar sobre a dançaterapia recreativa, foi assim que eu montei o terceiro método. Esses três são os métodos dentro da metodologia MAC. Eu agradeço muito aos idosos que estiveram e que estão comigo.
EXERCÍCIO FÍSICO
Eu faço exercício todo dia para eu poder aguentar o ritmo de compromissos e aulas, mas eu não vivo sem o exercício. Eu descobri uma coisa muito importante que foi a diferença entre o jovem, que faz exercício físico para ter um corpo sarado e nós, idosos, que fazemos para ser um corpo sadio – a gente não quer mais endurecer nada, porque às vezes nem vai ajudar, mas nós queremos saúde. Nós queremos caminhar e não ficar ofegante, nós queremos alongar e não ter problema. A gente quer viver bem, quer viver melhor e é o que está acontecendo. Eu tive uma aluna na hidroginástica de 100 anos e lúcida. Eu não esperava que eu, com 78 anos, estivesse na ativa.
ENVELHECIMENTO: PSÍQUICO, FÍSICO E SOCIAL
Uma das coisas que me chamou muita atenção foi que, teoricamente, eu sabia que a gente envelhece fisicamente, psicologicamente e socialmente. Mas eu fui conferir qual envelhecimento chegava primeiro através de uma pesquisa e pude ver que quem chega primeiro é o social. Tem uma doença que chama aposentadoria; “eu não faço mais falta”. Ela faz um link no psicológico e somatiza no biológico. Sempre achei que chegasse primeiro o envelhecimento físico.
Toda a minha pesquisa é em cima dos idosos. Eu fui buscar a verdade com eles. Eu tenho casos alegres, casos tristes, o que eu aprendi com eles, o que eu convivi, o que eu ri, o que eu chorei. As coisas que eu passei foram um aprendizado de vida muito grande.
CONTATO PRÓXIMO
Eu tenho um grande mestre que diz que todos os grandes mestres na área de Educação Física foram recriadores de alguma metodologia já existente e que a única pessoa que realmente criou alguma coisa, uma metodologia, fui eu, porque eu fui buscar o idoso, eu fui buscar a matéria prima. Então isso me orgulha muito e, às vezes, me incomoda aqueles professores que já trabalham, já fizeram doutorado e tal. Quando eu vou assistir a palestra é sempre assim: “Segundo fulano, segundo ciclano” e normalmente é estrangeiro, então eu olho e falo: “Segundo ele? Qual é o contato que ele tem?”.
Nós que trabalhamos com idoso nunca vamos ser magrinhos, porque é bolo, chocolate, bolacha, tudo que eles fazem nós temos que comer, nós ganhamos, porque nós somos filha, psicólogo, médico. A gente faz esse papel porque o idoso nos ama igual ou mais que a família. Nessa última jornada da vida deles, da nossa vida, é conosco que ele vai viver, e isso é muito importante, que o profissional de Educação Física saiba que nós somos o último apoio de sustentação do ser humano. Ele nos ama muito porque nós os aceitamos do jeito que eles são e, às vezes, a família já não aceita mais. Trabalhar com idoso é vício e é uma realização pessoal, porque a melhora é muito imediata; o mínimo é o máximo para eles.
É muito interessante porque você envelhece e pode ser um velho ou pode ser um jovem idoso. Tem três tipos de idoso:
Idoso corretivo: é aquele que é dependente, ele precisa trabalhar individualmente, ele não é muito ativo;
Idoso preventivo: é aquele que começou aos 60 anos e hoje ele está com 80, ele continua fazendo atividade física;
Idoso ativo: é a minha geração, que começamos com 20 e hoje estamos com 70.
A gente imagina qual é a modalidade em que o profissional tem três tipos de pessoa para trabalhar? Então é muito bom, é muito importante. A vida do Idoso é uma balança e, no meio da balança, está o exercício físico. O que ele faz? Ele diminui as perdas e estaciona os ganhos.
MATURIDADE
Eu fui crescendo e, cada vez que eu ficava mais velha, eu tinha outro ângulo para olhar o que estava acontecendo. Hoje eu olho com os olhos de uma idosa de 78 para 79 anos. Hoje a gente faz um encontro só de casos e eu conto os meus também, os meus erros, as minhas coisas. Essa maturidade é esse aprendizado, que foi com eles [pessoas idosas), não resta a menor dúvida.
VIRADA DA MATURIDADE
Quero agradecer do fundo do meu coração esse convite, porque é uma honra. Se eu tenho esses títulos e premiações, eu devo, do fundo do meu coração, um agradecimento primeiro aos idosos, porque se eu tenho esses títulos é porque eles acreditaram em mim. E, além disso, é saber que hoje deu tempo de eu receber esses títulos; não precisei morrer para ter uma rua com meu nome, porque eu acho ridículo isso. Então para mim é importante saber que o trabalho está sendo reconhecido. Quero agradecer muito à Virada por ter lembrado de mim, eu vejo isso como um presente.
HOBBIES E PRAZERES
Eu fui da água, comecei a nadar com 6 anos e competi até os 16. Eu tenho a graça, felicidade de ter uma piscina aqui em casa. Então às 7h30, 8h da manhã, dependendo do tempo, se tiver chuva eu faço ginástica na cadeira, senão eu entro na piscina de pijama e caminho uma hora e meia dentro, com música. Eu adoro montar minha trilha sonora; hoje eu faço isso e antigamente era a mesma coisa, só que eu ficava na frente de uma vitrola e gravava na fita cassete.
Então é esse hobby hoje da atividade física, de montar minhas aulas e agora eu vou começar a fazer online. Eu já tenho curso online, mas eu quero fazer duas ou três vezes na semana e abrir para quem quiser entrar. Então, na realidade, trocando em miúdos, eu quero deixar o meu legado.
INSPIRAÇÃO
Eu acredito que nascer é vital, viver é natural, mas envelhecer com saúde é uma dádiva de Deus. Eu estampo nas minhas camisetas, porque eu aprendi muito com isso.