Aos 63 anos de idade, uma vida de realizações consolidadas, José Roberto Gusmão está a um passo de dar um salto para fora da zona de conforto, neste início de 2020. Por vontade própria.
Não lhe aconteceu nenhuma tragédia. Não foi vítima de nenhuma surpresa desagradável da vida. Ninguém lhe chutou os fundilhos, lançando-o sem cerimônia para fora, na sarjeta ou em algum beco malcheiroso do destino. Nada.
É ele mesmo, Roberto, que está se projetando para a frente e para o novo, na aventura do sonho que deseja transformar em realidade nesta altura do campeonato da sua vida. Uma aventura com sua dose de risco e adrenalina, mas desenhada por um plano de ação que começou a ser executado há dois anos.
Não, ele não joga efetivamente no time dos que pensam em se acomodar na existência mal ultrapassados os 50 anos de idade ou os 60. Puxar o freio de mão nessa etapa, para ele, é suicídio.
“A vida só para por dois motivos”, diz ele. “Pela morte, e aí não há o que você possa fazer. Ou por você mesmo, quando você decide parar. Morre em vida. Morre por se acomodar na aposentadoria precoce, por perder o entusiasmo de viver, por achar que já viu tudo o que a vida tem a mostrar, por se deixar abater pelos que dizem que neste mundo competitivo e agitado da era global só há lugar para os jovens”.
É muito triste o caso das pessoas “que determinam com a régua, na linha do tempo, quando a vida vai parar”, filosofa Roberto, com um certo toque de poesia. “Quando as pessoas fazem isso lá atrás, marcam que vão parar de fazer coisas aos 50 anos ou aos 60, estão na verdade se determinando a morrer antes da hora. Porque hoje em dia podemos falar de vivermos, produtivos, até aos 80 ou 85 anos. Então, se eu estou com 60 e pouco, ainda tenho quase a metade desse tempo já vivido para viver mais, para a frente”.
Viver mais, a partir da maturidade da vida, exige, porém, pensa Roberto, a coragem para o salto para além do território confortável do que você já conquistou e já domina plenamente. Porque vida é movimento. E para você se mover, precisa de entusiasmo, paixão, tesão. Precisa encarar de frente as desilusões que amargam os dias em algum ponto da caminhada. Precisa vencer o desânimo dos reveses que certamente acontecem. Não dá para vencer o cansaço do tempo fazendo as mesmas coisas de sempre a vida toda. Em algum momento, você precisa ousar viver o novo. Convém se preparar para isso.
Panorama rápido na linha do tempo
Para você colocar na perspectiva correta o salto de mudança de Roberto Gusmão e ter o prazer de refletir qual a relação disso com os desafios de transformação na maturidade de todos nós, jovens ou veteranos da existência, tenho de ser leal, dando-lhe um vislumbre dessa vida na linha do tempo.
Ele nasceu na pequena cidade de Regente Feijó – hoje com cerca de 25 mil habitantes -, a uns 600 quilômetros da capital paulista, filho de caminhoneiro e de uma dona de casa. Veio para São Paulo aos 14 anos. Inteligente e dedicado, conseguiu uma bolsa para fazer o secundário em colégio particular de São Caetano do Sul, na região metropolitana.
Foi trabalhar de aprendiz de mecânico na Metalfrio, gigante do setor de refrigeração comercial. A empresa fabrica até hoje os equipamentos que mantêm sorvetes, bebidas e alimentos em ótimas condições em milhares de bares, padarias, sorveterias do verão brasileiro, talvez exatamente naquela sua preferida da praia.
Enquanto fazia carreira na empresa, subindo de posto até gerente, movendo-se da área industrial propriamente para a de comercialização, vendas e administração, fez faculdade e depois Mestrado, sempre em administração de empresas.
Encontrou seu lugar no mundo profissional desse setor, constituiu família, teve dois filhos. E aí chegou ao teto máximo do que lhe era possível na organização, aos 31 anos de idade. Não tinha para onde crescer mais, ali dentro.
Aceitou o convite para assumir um cargo de diretor noutra empresa, em Itu, a 130 quilômetros de São Paulo. Acontece que a empresa estava em concordata. O desafio aceito foi ajudar a tirá-la do buraco. Conseguiu. Mas 13 anos depois, a companhia, vendida para novos acionistas, não tinha mais lugar para ele, apesar do sucesso anterior. O passado pode não significar nada na – por vezes – impiedosa lógica capitalista.
Voltou a São Paulo, dessa vez com sua própria empresa de consultoria em vendas e marketing, a Gusmão & Vega, tendo como principal cliente…adivinhe só… a Metalfrio! Sinal do ótimo relacionamento profissional que pôde manter com essa multinacional brasileira que hoje produz e comercializa não apenas no Brasil, mas também na Turquia, no México, na Rússia, nos Estados Unidos…em tantos lugares…
O salto para dentro da nova aventura de viver
A empresa de Roberto é familiar. Sua esposa Eucledes, seu filho Victor, engenheiro, sua filha Ana Paula, formada em comércio exterior, todos trabalham na organização. Mas a gestão é bem profissional, com metas e resultados bem traçados e avaliados no plano de negócio, orgulha-se ele.
Acontece que ao chegar aos 60 anos, Roberto resolveu se dedicar a uma questão delicada na trajetória das empresas familiares: o passar o bastão do fundador para os herdeiros. O maior receio de todo empresário fundador, reflete Roberto, é que os filhos não deem continuidade, acabando com o empreendimento que o pai tão laboriosamente construiu. Foi preparando o caminho, aparando as arestas, empoderando os filhos, cada um na sua função.
Mas tinha dois motivos pessoais, também. O primeiro, era um certo cansaço natural com o dia a dia executivo. Já estava perdendo o entusiasmo com a rotina corporativa, embora continue atuando em situações especiais, como as visitas de negociação e vendas quando necessário, as decisões da gestão financeira e assim por diante.
O segundo era o mais importante. Roberto queria abrir um novo horizonte para sua vida. E isso teria a ver com a expansão da sua habilidade natural em relações humanas, principalmente na função de inspirador, mentor e professor. Durante seus anos de Itu, ele tinha passado um período trabalhando em paralelo à empresa, como professor universitário. Guardava desse tempo seu prazer em ensinar e sua facilidade para se comunicar oralmente em público.
Resolveu que deseja se lançar na carreira de palestrante profissional, voltado ao mundo corporativo, compartilhando sua experiência de vida e seus conhecimentos. Traçou uma estratégia, tendo como ponto de partida sua reeducação no campo do desenvolvimento pessoal. Nada de aprendizado técnico ou especializado em administração de empresas, ou em finanças ou marketing, num nível avançado de reciclagem e atualização. Nada disso.
Decidiu que sua nova atuação no mundo tem a ver com ajudar as pessoas a se instrumentalizarem com uma nova visão do mundo, diferente daquela a que estava habituado no campo profissional de onde veio, e até mesmo nas religiões que frequentou.
“As empresas estão muito mecanicistas hoje em dia, só voltadas para o lucro e para o sucesso a qualquer custo”, comenta. “Perdi um pouco do encantamento por esse sistema de trabalho das empresas”.
Roberto admite que via o mundo dessa mesma maneira que identifica nas empresas, até há pouco tempo. “Minha visão era conservadora, externamente, mas dentro de mim comecei a sentir um conflito. Um conflito com a mentalidade no mundo corporativo e com algumas mentalidades na religião”.
Roberto foi católico, depois se tornou protestante. Considera-se acima de tudo cristão. “Hoje vejo que tem um outro lado do mundo, além daquele das empresas e da religião. Hoje eu enxergo a vida como um todo. Deus era transcendente para mim, antes, agora é imanente.”
Entende que aquela postura religiosa conservadora da culpa, que faz com que o pobre se conforme com as condições difíceis da vida e que o céu está aguardando os humildes e sofredores, é equivocada. “Essa história de que até a felicidade é pecado e de que todos os ricos estão condenados, preconceito que eu tinha, eu quebrei.”
Também não acredita que as pessoas devam esperar que o governo, a sociedade ou os outros melhorem as coisas. Não se pode colocar a culpa nos outros e não fazer nada do que está ao seu alcance. “Cada um é responsável por si, aqui e agora”, diz. “Tudo bem imaginar que há um céu esperando nos oferecer coisas melhores, mas enquanto estamos aqui somos responsáveis. Você tem de se tornar o dono do barco da sua vida!”
É isso que Roberto pretende fazer da sua vida, de aqui por diante. Compartilhar sua experiência, ajudando as pessoas a conquistarem o comando de suas vidas. Mas, como foi se preparando para poder abraçar esse propósito que lhe deu um novo rumo de vida, na maturidade?
Já estava disposto a investir num processo de auto reeducação no campo do desenvolvimento pessoal, quando ganhou da amiga Luane Di Paulo, consultora e analista comportamental, um convite para o megaevento NOW do palestrante, psiquiatra e guru motivacional Roberto Shinyashiki. Já tinha lido dois ou três livros desse autor. Iria ler depois a biografia-perfil que escrevi de Roberto, “O Mentor”, livro lançado em 2018 pela Editora Gente.
Mas foi ali no evento que o impacto de Shinyashiki nesse momento de virada de sua vida foi de fato significativo. “Ele me despertou para um modo de como encarar a vida”, comenta Roberto Gusmão. “O problema que ele enfrentou com o filho que nasceu doente, com um prognóstico de vida curta, e a maneira como ele sempre procura a mudança, sempre indo para um nível mais alto, sempre voltado a ajudar as pessoas a darem um salto para a frente, foi muito impactante. E aí ele disse uma coisa que chamou de lei do não retorno: quando você chega a esse ponto de transformação, não tem mais retorno. Se você chega a esse ponto de mudança que a participação no NOW representa, você tem de ir para a frente, não pode voltar mais ao ponto que estava”.
Nesse mesmo evento, um dos palestrantes foi o master coach, palestrante e autor de best-sellers de desenvolvimento pessoal Paulo Vieira. Roberto acabou se matriculando em todos os treinamentos e cursos de Vieira, até o mais avançado, dedicando um ano inteiro a essa formação. Tornou-se também coach profissional, conquistando o credenciamento, reservado aos alunos mais avançados de Paulo Vieira, para proferir palestras de quatro dos temas do método desse autor.
Em paralelo a isso, vivendo o drama pessoal da doença fatal de seu irmão mais novo, Edmar, também fez um ano inteiro de formação em filosofia, num programa da Casa do Saber, em São Paulo, “Os Pensadores”, em que se envolveu com o estudo de 12 filósofos clássicos. Complementou a jornada com cursos livres dos filósofos Clóvis de Barros Filho e Luiz Felipe Pondé.
“Fui para a filosofia porque a filosofia estuda o porquê das coisas”, explica Roberto. “Ajuda você a sair da zona de conforto, rompendo com o sistema em que você está preso, mentalmente. Além disso, hoje em dia você consegue empregar os pensamentos dos filósofos nas empresas tranquilamente. Ajuda muito”.
Esse é o propósito de Roberto, como palestrante. Preparar as pessoas para as mudanças necessárias na vida, tenha você 20 ou 70 anos. Preparar, particularmente, para os reveses. Porque as derrotas e as falhas virão. Não há como evitá-las. Mas há como se preparar para elas, planejar, reunir condições para navegar pelos momentos turbulentos.
Acima de tudo, Roberto quer estimular a conquista do que chama de vida sustentável. Uma vida harmônica entre as diferentes áreas da atuação humana, da profissional à doméstica e familiar.
“O que está destruindo o país é a falta de visão de conjunto”, comenta. “Sozinho, você não consegue nada. É importante você procurar harmonizar o seu ambiente, seja o de trabalho ou de negócios, seja o da vida pessoal”.
Essa experiência, a da visão de conjunto das coisas, é o que Roberto considera o grande trunfo da contribuição das pessoas maduras para a sociedade de hoje. “Os jovens estão cada vez mais individualistas e imediatistas”, comenta. “Mas quero mostrar a eles que na verdade nós somos coletivos. É pela coletividade que podemos ajudar a sociedade a melhorar”.
Se as pessoas maduras podem confiar que têm algo o que contribuir para o bem comum, também podem ganhar convicção que conseguem se relacionar bem com os jovens que estão revolucionando o mundo através da tecnologia, acredita Roberto.
“Tecnofobia? Não precisa existir”, questiona Roberto. “Está certo, há coisas que são bem difíceis para as pessoas maduras”, admite. “Desenvolver jogos, por exemplo”. Mas o resto? “O que existe são coisas novas, e não gente nova. Tecnologia posso aprender também”.
E aprendeu. Há quase dois anos, Roberto vem produzindo posts para o Instagram. O que não sabia, foi conquistar. Buscou ajuda, contratou uma profissional especializada que o auxilia.
Agora está a pique de começar a realizar as palestras dos temas de Paulo Vieira que foi autorizado. Mais adiante, vai lançar seu programa de palestras próprias. E o livro que produzirá em breve, também peça estratégica da sua nova carreira.
Medo do novo, medo do futuro?
“Sim”, responde. “Mas faz parte da vida. Ter medo não é desonra para ninguém. Só que você não pode deixar que o medo o paralise”.
Mas qual é seu antídoto para vencer a ameaça paralisante do medo? O que o faz o olhar para o amanhã com otimismo?
Os cabelos brancos, a fala vigorosa e rápida, o olhar vivo, a estrutura corporal compacta, a figura inteira desse ser humano à minha frente é todo um conjunto que me responde nessa tarde paulista em que conversamos em seu escritório no Morumbi, bairro nobre da cidade.
A resposta pode parecer enigmática, mas é na verdade cristalina, simbólica. José Roberto Gusmão tem algo de filósofo nessa tarde, uma pitada de poeta, traços que se somam ao seu lado executivo, de homem dos negócios:
“O pensamento não tem idade.”