Vera Caovilla

Nascida em São Paulo, Vera Caovilla, de 75 anos, tem sua formação básica como administradora hospitalar, setor em que atuou por um longo período, tanto em hospitais como também professora. “Acho que foram bem mais de dez anos. Eu dava aulas voltadas para administração hospitalar mesmo. Era um curso que você aplicava para médicos e enfermeiras, normalmente o pessoal da saúde, e depois o meu pai teve um diagnóstico de Alzheimer e a minha vida teve uma virada”, contou.

A virada em sua trajetória com a doença do pai fez com que Vera se unisse a outros profissionais para fundar a Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz). “A partir daí, fiquei muito envolvida por essa parte do envelhecimento, do atendimento às pessoas mais idosas, principalmente sabendo que a mulher é a pessoa idosa que mais é afetada pela própria doença, porque ela tem que cuidar e, ao mesmo tempo, assume uma série de coisas que ela não estava acostumada a assumir”, destacou.

O aprendizado sobre a doença foi construído na década de 90, quando não havia a internet e o acesso a informações sobre a Doença de Alzheimer e sobre o envelhecimento era mais difícil. “A gente conseguiu informação na enciclopédia Barsa. Outras coisas eu lia muito na biblioteca da BIREME (Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde), do Hospital São Paulo, da Faculdade Paulista de Medicina, mas tudo que eu encontrava era voltado para a área médica e algumas coisas na área de enfermagem. Era tudo muito técnico e eu não entendia nada”, salientou. Um médico a ajudou a coletar informações e começar o trabalho.

Atualmente, Vera é sócia de Fabiana Satiro (curadora da Virada da Maturidade) na 50mais Ativo, criada para ajudar a desenvolver um estilo de vida mais saudável e com mais qualidade de vida, através da preparação para o envelhecimento, do fortalecimento da sensação de respeito, autoestima e pertencimento, desenvolvendo atividades que visam interagir, contribuir e compartilhar experiências, promover a autonomia, inclusive dos menos independentes.

ENTREVISTA

MATURIDADE

Maturidade é quando você consegue chegar àquele ponto em que já teve toda uma vida, já viveu coisas boas e coisas negativas. Você aprendeu e desaprendeu algumas coisas também, e está bem, não fisicamente, mas com você, com a tua cabeça, com aquilo que pode estar fazendo ou não. E você consegue saber que daqui pra frente tem muita coisa ainda a receber e a oferecer, mas de uma forma tranquila, sem ficar naquela preocupação: “Nossa, tá chegando determinada data, tenho que fazer isso. Eu estou chegando nos meus 30, nos meus 40, nos meus 50”. Eu acho que já cheguei naquele ponto em que a vida está mais tranquila. Não é que está tranquilo, assim tudo um mar de rosas, mas você recebe as coisas com mais facilidade.

DISCRIMINAÇÃO ETÁRIA

Tem aquela velha máxima que você chegou no lugar, as pessoas levantam, te dão lugar, aquele negócio todo. Mas muitas vezes tem pessoas mais novas que estão precisando muito mais que você, sim, ou porque estão com criança pequena, ou porque estão com algum problema, ou você percebe fisicamente que a pessoa está com a sua fisionomia dolorida, cansada e que precisa.

Não cheguei a sofrer nenhum tipo de preconceito. Quando falamos de maturidade, acho que tem algumas coisas que elas batem aqui (no ouvido), mas elas não vêm até aqui (na cabeça). Então bateu aqui, vai embora. Se alguém fala alguma coisa para mim, eu acabo não ligando a não ser que seja uma coisa muito, muito forte. Mas para mim não veio ainda. Até agora não sofri assim não. Eles não falam: “Você está velho, não. Você já está com muito mais idade, então é bom você não ir em tal lugar ou você não pode subir tal rua a pé, porque a ladeira é muito grande, não é legal para você”. Então eu acho que eu posso, eu vou, eu aconteço e vamos embora. Até agora não teve grandes problemas não.

HOBBIES E PRAZERES

Eu sou uma pessoa muito calma, muito tranquila. Se você der um bom livro para mim, eu esqueço das horas. Assim tipo um romance policial, daqueles bem assim eletrizantes, eu posso pegar o livro às 22h e quando for 3h, eu estou na última página. Aí eu paro, descanso e vou dormir. Eu só quero ver o final. Eu acho que um livro ele me ajuda bastante. Teve uma temporada que música me ajudava, mas ultimamente a música me deixa mais elétrica, porque como eu tenho uma história de estudo musical, então o que acontece? A música não me relaxa, porque quando eu ouço, eu começo a bater o compasso e a tocar, eu estou vendo as notas na minha frente, então eu não relaxo. Então o livro me relaxa, porque eu entro dentro do livro e eu acho que é uma coisa que a gente não está muito acostumado a ler não. O brasileiro não lê muito, o que é uma pena. Eu tenho uma facilidade muito grande, uma capacidade grande de leitura, tipo um livro a cada três dias. Eu consigo ler bastante e quando eu leio, eu entro dentro da personagem do livro. Eu acho isso um calmante espetacular.

Os hobbies mudaram lógico, porque você até fisicamente muda. Teve uma temporada que eu saía de casa 5h30, chegava na academia, eu jogava tênis por uns 45 minutos, saía do tênis, ia para piscina, nadava, e aí me arrumava bonitinha, botava aqueles saltos bem fininhos e ficava no hospital o dia inteiro. Saía do hospital tipo 18h30, 19h para dar aula, às vezes em outro município. Voltava pra casa meia noite e pouco, e no dia seguinte era a mesma coisa. Isso foi durante um tempo. Aí depois eu acabei diminuindo, tirei o tênis e a piscina.

O tênis, o calçado, eu comecei a usar acho que depois da aposentadoria mesmo, depois que eu parei de trabalhar em hospital, porque infelizmente as nossas calçadas não permitem outro tipo de sapato. É verdade.

VIRADA DA MATURIDADE

Eu decidi participar da Virada da Maturidade pela importância que ela tem. A primeira virada que eu participei, eu tenho a impressão que foi em 2017. Eu acho que foi a primeira. Quando você está participando, ou fazendo alguma atividade, ou participando da atividade, você vê o rosto das pessoas. Então, quando você vê o rosto das pessoas e você vê aquele sorriso que vem de orelha a orelha, aquela alegria contagiante, você fala: “Não, gente! Não tem como. Tem que ter outras, tem que ter durante mais tempo”. Então você não gostaria que ela ficasse só três dias, gostaria que ela ficasse muito mais tempo. Ela traz uma coisa muito positiva. Você se sente assim, uma outra pessoa, um outro vigor.

Lógico que, para quem está organizando a Virada da Maturidade hoje, eu tenho impressão que meio dia seria suficiente, porque deve dar uma canseira, uma dor de cabeça. É muita coisa, muita atividade, muita coordenação que tem que ter, mas do lado de cá, de quem está participando é diferente. A primeira experiência que eu tive foi em 2017. Eu não esqueço até hoje a carinha de uma senhora dentro da Virada. A gente estava numa sala e chegou uma senhora com cabelo branquinho e disse: “Minha filha, eu nunca me diverti tanto como eu estou me divertindo aqui agora. Eu queria que meus filhos estivessem aqui para eles verem que eu tenho condição de brincar, de gritar, de correr, de dançar”. Então foi muito bom.

Eu tenho 75 anos, então eu estaria me classificando dentro dessa faixa de pessoas mais idosas. Se a gente pensar que a sobrevida hoje da mulher aqui no Brasil está chegando nos 78, e do homem, nos 73, alguma coisa assim, então, teoricamente, eu teria mais três anos de vida. Só sei que eu espero viver ainda até os meus 110. Mas o que que acontece quando você tem um evento desse tipo? Você ouve as pessoas. É o que eu sinto dos meus pares e das pessoas que tem mais ou menos a minha idade ou até menos do que a minha idade, é uma reclamação muito grande de que eles estão falando assim pro vazio. Eles não conseguem ter mais uma conversa entre a família, ou entre as diferentes gerações, ou mesmo entre outras atividades.

Quando você valoriza a pessoa e aí não precisa ser pessoa idosa. A gente está na Virada da Maturidade, que o foco é a pessoa idosa, mas também qualquer pessoa que você conversa, que você ouve, que ela se expressa e que faz aquilo que ela quer fazer, que ela tem o poder de decisão: Não, eu vou participar dessa atividade, eu vou dançar ou eu vou, sei lá, participar de uma peça teatral. Isso é uma valorização e isso tem que ser feito sempre.

Para mim foi uma honra muito grande quando, quando a Fernanda (Gouveia, idealizadora da Virada da Maturidade) fez o convite de embaixadora. Eu fico pensando assim, numa responsabilidade enorme que um embaixador tem na hora que ele consegue transmitir a vitalidade daquilo que ele pode estar fazendo dentro de uma cidade. Eu falei: “Gente do céu, muita responsabilidade”. Mas se eu consegui, dentro desse meu jeito, transmitir para as pessoas aquilo que eu sinto, o que é viver e viver de uma forma feliz, mesmo você sabendo que existem dificuldades que existiram, mas você tentar tirar o positivo dentro de tudo aquilo que pode estar parecendo negativo, não é a figura da Poliana, mas você conseguir subtrair coisas positivas do negativo. Eu já vou me sentir muito contente.

INSPIRAÇÕES

Eu venho de uma família de mulheres muito fortes. Mulheres que seguraram muito rojão pela frente. Eu não esqueço que quando meu pai ficou doente, nós tínhamos uma casa na praia e a gente vendeu uma loja que a gente tinha e o advogado que comprou essa loja falou para mamãe: “Eu acho melhor fazer uma procuração, porque o seu Nelson não está mais como ele estava semana passada”. O advogado explicou e foi feito uma procuração para mim de plenos poderes. E quando ele (pai) estava numa fase um pouco mais avançada que a gente precisou vender essa casa na praia, eu estava assim, com dor de estômago, com dor de barriga, porque meu pai era aquele italiano que fazia, que organizava tudo e a gente não fazia absolutamente nada. Minha mãe foi saber o que era um talão de cheque depois que ele faleceu, porque até então, tudo aquilo que você queria, você tinha no dia seguinte. E mesmo que meu pai não perguntasse para mim aquilo que eu queria, como eu conversava com a minha mãe, ele ia lá com a minha mãe, conversava com ela e no dia seguinte eu tinha o que eu queria. Então a gente nunca teve essa preocupação de fazer as coisas, de mexer com coisas de negócio. Eu não fazia a mínima ideia nem que conta de banco que meu pai tinha. Só que eu tive que assumir algumas coisas e assumir de repente.

Eu tive que vender a casa para a gente comprar uma outra menor, e eu estava desesperada de ter de tomar essa decisão. Minha avó chegou para mim e falou: “Vem cá, senta aqui. O que foi que você aprendeu do teu pai em relação a negócios?”. Eu falei: “lealdade e honestidade”. “E o que foi que você aprendeu com a sua mãe? O que sua mãe sempre fala?” “Minha mãe sempre fala coração, amor e educação”. “Então, pronto, é isso que você tem que pensar quando você for lá agora na imobiliária e assinar a documentação, você está vendendo a casa porque você quer fazer um atendimento bom para o teu pai”. Então, na verdade o ensinamento que eu tive veio da minha avó e da minha mãe, foi de tal forma que eles suplantaram tudo aquilo que eu poderia aprender de outros lugares, com grandes personagens históricos. É uma coisa que me segurou e me segura até hoje. Isso tudo que que a gente viu. Eu tive um avô que até os meus 30 e poucos anos, a gente sentava no colo dele. Era extremamente amoroso. Ele falava para mim: “Você é uma porreta de uma mulher, viu? Você aprendeu tudo com a tua avó”. Então, isso para mim foi a coisa mais importante e é isso que eu sigo.