Lourdes Alves

A paulistana Lourdes Alves de Souza nasceu no dia primeiro de abril de 1955 e tem 68 anos. Ela conta que viajou muito, mas nunca morou fora da cidade de São Paulo. Estudou Psicologia e acaba de completar o mestrado em Psicologia Clínica pela PUC de São Paulo, antes já tinha cursado a pós-graduação em Ludoterapia e fez um curso de Psicoterapia Breve, trabalho desenvolvido com as crianças e suas famílias. Ela também se formou na área social, voltada para gestão de informação e de conhecimento, e fez um curso pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre como promover o desenvolvimento das localidades.

Professora na UFSCAR já há mais de uma década, contribuindo em projetos de MBA, ela explica que sua intervenção como psicóloga na vida, no cotidiano, tem muita inserção no mundo da educação. “Nesses projetos eu tenho lá um módulo que eu desenvolvo que é convivência produtiva. Quando você chega na universidade, mais do que absorver conteúdos, é importante que você possa encontrar parcerias, conexões, encontrar outras pessoas e, para isso, as pessoas precisam se abrir, precisam se conhecer. É como se o conhecimento estivesse apenas na mediação do professor com o aluno com um conteúdo específico. Nem sempre a universidade foca na relação entre os aprendizes, que pode ser muito potente”, ressalta. Este trabalho está sendo estendido para a USP.

Para o futuro, ela não pensa em doutorado no momento, mas em aprofundar seu trabalho. “A Unifesp também me fez um convite para apresentar meu trabalho, então vai aparecendo coisas e você vai se conectando. E quero escrever um livro da minha dissertação”, revelou.

A embaixadora também é colaboradora da Associação Palas Athena, organização que atua com cultura de paz e não violência. Seu trabalho é especificamente a questão do diálogo, mediação de conflito, comunicação não violenta, como também a escuta acolhedora e sem julgamentos.

Para Lourdes, o que a trouxe até aqui foi o amor de sua mãe. “A gente precisa sentir amor. Alguém que nos abraça, alguém que que nos apoia. Eu até hoje me lembro com a minha mãe do tempo em que eu fazia faculdade, ela ficava me esperando, isso é de um amor, é de um cuidado. Na infância a minha mãe também permitia que eu fizesse muitas coisas na cozinha, experiências. Eu recebi uma dose generosa de amor, isso serviu como o alicerce da minha vida”, destacou, citando o pai também que deu a ela a segurança para acreditar que tem o seu lugar e de que pode qualquer coisa que quiser fazer.

Ela se considera com os pés bem fincados no chão sobre sua realidade social como mulher preta, como uma profissional de saúde mental e educadora. “Me sinto muito bem nesse lugar, sou um educadora e isso me representa muito. Mesmo o trabalho que eu faço na perspectiva da clínica, eu me vejo com uma educadora, como alguém que fomenta pensamentos, que tenta sempre alcançar e se tocar em lugares que a humanize. Se eu pudesse ainda resumir, eu diria que meu trabalho é um trabalho de humanização, não importa onde quer que eu atue, é nessa perspectiva. E tem a ver obviamente com a quantidade de afeto que eu recebi e de incentivo, de apoio. Então, quando eu posso dizer aos pais qual é o legado que eles podem deixar aos filhos, eu falo dessas coisas, sobre abraçar seu filho, amar seu filho, fazê-lo se sentir uma pessoa amada, alguém que é amado, alguém que importa. Isso faz um outro tipo de impressão da sua presença no mundo”, afirmou.

ENTREVISTA

 

MATURIDADE X ENVELHECIMENTO

A maturidade é interessante. Eu acho que não tem, necessariamente, a ver somente com a questão da idade. Claro que, com a idade, você viveu mais, você alcança uma maior maturidade, mas eu já me sinto madura há um bom tempo. Eu considero a maturidade quando a gente tem liberdade de ser quem a gente é, sem preocupação do que é que vão pensar do que eu estou falando, o que vão pensar da minha roupa, o que vão pensar da minha fala.

Eu acho que com a maturidade a gente ganha um espaço maior no mundo, porque, interiormente, você está mais confiante. Eu acho que tem a ver com autoconfiança, autoestima, tem a ver com intimidade. Temos mais intimidade com a gente mesmo. E essa intimidade leva, portanto, a autoconfiança, a autoconhecimento, a autoestima. Acho que essa aí talvez seja uma célula poderosa que poderia ser definida a maturidade. E eu me considero uma pessoa que está no processo. Acho que essa maturidade não é algo que se alcança e acaba. Não, ela vai acontecendo até o final. Você pode amadurecer nessa perspectiva de como é que é estar no mundo, como é estar em pé sobre você mesmo.

Eu creio que sim, há aspectos negativos na maturidade, e acho que tem mais a ver com aspecto social. Eu acredito que a nossa cultura não necessariamente valoriza essa maturidade, esse envelhecimento. As pessoas que estão mais envelhecidas nem sempre são incluídas como potencial, como parte. Isso é lastimável. Eu tenho uma mãe de 96 anos, ela mora com a minha irmã, e eu faço questão de inseri-la na conversa, na vida, porque a conversa são trocas de experiências, o que eu vi, o que eu senti, o que eu cheirei, o que eu percebi da vida. Então, quando eu levo para ela conversas é muito incrível, às vezes ela tá deitada, ela se levanta, senta, para poder trocar, para poder contar também a percepção dela.

Então, eu acho que esse é um aspecto negativo, talvez a gente precise cuidar mais do idoso, temos que olhar mais para isso, somos potentes, temos muita coisa para contribuir, sabemos coisas importantes. E do aspecto físico, o amadurecimento, o envelhecimento trazem consequências, então temos que estar mais atentos a questão física. Eu, nesse momento, estou experimentando um tratamento que não tem nenhum remédio. O remédio tem a ver com o contato com a natureza porque eu penso que também podemos fazer escolhas para ter uma vida mais saudável, e não o envelhecimento associado à doença, a dores, a problemas, porque isso inevitavelmente vai acontecer. O corpo envelhece e isso é inevitável, porém, também acho que é uma questão de como a gente pode fazer uma gestão de prevenção e, também, de cura.

Eu acho que o envelhecimento interfere um pouco nas dinâmicas das atividades em geral, você já deve ter ouvido de pessoas mais velhas aquela expressão “Ah, eu já não sou mais a mesma!”. E não é mesmo e é bom que se dê conta de que não é mais a mesma para poder respeitar o seu físico e aquilo que você pode agora, que é diferente do que você pode antes. Eu percebo que eu preciso de mais tempo hoje para aquilo que eu fazia com menos tempo antes. Se eu vou produzir um trabalho, eu levo mais tempo. Tem essa questão de mais lentidão, mas também tem junto maior precisão.

Mudam algumas coisas sim, por exemplo, já não subo mais numa cadeira para pegar alguma coisa em cima de um móvel, eu evito esse tipo de movimento. Sou muito mais atenta quando eu vou ao banheiro, que é o lugar onde as pessoas costumam sofrer mais acidentes. Se eu não tenho visita em casa, eu tomo banho e não tranco mais a porta no banheiro. São cuidados que é preciso ter. As chaves da minha casa, quando eu e meu marido não estamos, tem uma cópia na casa do meu irmão mais novo, se precisar alguma coisa, ele tem como entrar. São coisas desse tipo e que eu acho que a gente precisa se dar conta tranquilamente.

Eu tenho, por exemplo, um livrinho que eu deixo anotado todas as minhas senhas, porque se eu não puder acessá-las, alguém pode fazer isso com mais tranquilidade. Sem ser fatalista, mas eu acho que é realismo você tem que estar conectado com as pessoas e organizar sua vida, planejar.

Eu tenho também procurado aprender a descansar, porque a gente vai num impulso, subindo, subindo, subindo, e depois você já não sabe mais descansar, desconectar. Eu estou tentando fazer o processo inverso de desligar um pouco, aprender a descansar, ter momentos de ócio, só para só para ficar respirando. Essa é uma coisa importante que eu estou inserindo na minha vida, que é a meditação, poder parar para respirar, para se assentir, para não ser atropelado pela agenda do cotidiano, de estar sempre fazendo alguma coisa. Precisamos fazer coisas, mas a conexão com a gente é uma prioridade, porque se você não tem conexão consigo, a conexão com o outro também fica prejudicada.

Uma das vantagens também do envelhecimento, eu estava me lembrando de uma situação agora. Recentemente eu fui contratada pelo Sesc para fazer um trabalho e a pessoa que estava me convidando disse: “Ah, vai ser incrível ter uma pessoa com mais idade para fazer essa atividade”. Era uma atividade para falar com pais de crianças que o Sesc atende. Ela disse no sentido de que eles podem ser favorecidos de ter alguém mais maduro para falar sobre a relação pais e filhos, por exemplo. Acho que a maturidade pode talvez passar mais essa sensação de confiança. No caso da educação também, os professores com mais tempo de experiência, não é garantia, mas pode ser um fator importante, porque seus olhos já viram mais coisas, você já escutou mais coisas, já experimentou. Ou mais do que isso, já se experimentou. E aí isso que eu chamo de intimidade, quanto mais intimidade temos, maior a possibilidade de também de contribuir com os outros.

 

DISCRIMINAÇÃO

Uma das últimas vezes que eu fui ao médico, alguma coisa me deu um mal-estar, e no dia seguinte eu fui. A médica disse: “Você deveria ter vindo ontem! Ontem, não hoje! Porque o idoso não pode desidratar!”, e eu levei um susto, para ser sincera. Quando ela disse “o idoso”, porque não é assim que eu me sinto. Eu estou perto dos 70 anos de idade, mas eu tenho uma vida ativa, uma vida cheia, repleta. Tanto no sentido de tarefas quanto do ponto de vista do prazer. Eu estou envolvida em coisas prazerosas, eu faço essas escolhas, eu viajo, eu leio, eu escrevo. Então foi um pouco assustador. Ela não foi muito cuidadosa com isso. Mas já faz algum tempo que, por exemplo, se eu estou num transporte público, tem sempre um jovem que diz: “Por favor, senhora, senta aqui”, e eu aprendi a aceitar isso como uma gentileza.

Eu acho importante que as pessoas se deem conta de que uma pessoa com mais idade é importante que ela esteja sentada, mais segura, que precisa receber mais cuidado. Eu tenho uma amiga que é um pouco um pouco mais de idade do que eu, ela precisou usar um transporte público recentemente, e o ônibus, para evitar uma batida, deu uma brecada brusca e como ela estava em pé, ela foi atirada longe, bateu o quadril na lixeira do ônibus, e ficou com um hematoma horrível e precisou de semanas de fisioterapia e uma série de coisas. Certamente não temos mais a mesma força para segurar no transporte. Uma coisa que eu percebo do envelhecimento é que eu vou dando conta de coisas que eu podia e agora não posso, não tenho mais a mesma força, não aguento trabalhar um dia inteirinho, eu trabalho um período do dia e já me sinto no direito de parar, não vou forçar mais, preciso repousar mais, ter mais cuidado.

 

HOBBIES E PRAZERES

Eu gosto bastante de viajar. Isso tem sido uma coisa que eu vou, agora que eu terminei o mestrado, cuidar mais disso, os pequenos prazeres. O pôr do sol. Eu tenho um sítio perto da minha casa e eu e meu marido ficamos lá alguns dias. A gente planta, cultiva a terra, escuta passarinho, essas coisas enchem o meu coração de alegria, e me revigoram, porque quando eu volto para o trabalho, eu volto com essas coisas ainda reverberando dentro de mim. Por orientação médica, eu tenho feito academia. Não é exatamente uma coisa que eu adoro, mas eu entendo o que é necessário, então eu tenho feito um pouco de musculação, e aproveitado para caminhar um pouco na esteira.

Gosto de um bom filme. Quando posso ir ao cinema, fico bem feliz e faço um grande acontecimento desse dia. Meu marido é músico, então quando ele vai tocar e eu sei que é um lugar bem bacana, eu vou também. Ele morou na França, então ele canta muita coisa em francês, eu gosto e é uma língua que a gente escolheu para aprender. Eu vou porque eu posso também desfrutar disso. E mais recente, eu estou aprendendo a tocar teclado. Eu sempre tive essa vontade e nunca tive tempo. Estou no começo, mas está sendo muito prazeroso imaginar esse processo de aprendizado, de ser alfabetizada numa outra coisa, porque a música é um processo de alfabetização. Estou nesse momento de familiarização com o teclado, depois provavelmente eu devo frequentar alguma escola, fazer alguma coisa mais dirigida. Acho importante ter esse tempo de sensibilização. Eu, agora, tenho todo o tempo. Esses são os pequenos prazeres que eu considero hobbies.

 

A VIRADA DA MATURIDADE

Eu acho que iniciativas como essa que a Fernanda Gouveia (curadora da Virada da Maturidade) me apresentou são essenciais, isso é exercer cidadania e incluir o idoso é importante. É muito carinhoso isso, uma atitude muito porreta de escolher fazer uma Virada contemplando a terceira idade, as pessoas que estão maduras em várias situações diferentes. Eu acho isso sensacional e me deixa muito orgulhosa poder, nesse sentido, ser uma embaixadora dessa Virada. A Fernanda tem uma energia, é uma mulher de energia gigante. Ela tem uma potência e uma força, e quando ela dirige essa força para a questão da maturidade, ela arrasta um monte de gente. Eu me sinto com muita vontade de seguir a Fernanda nesse sentido, de apoiar no que for possível a Virada, porque é essencial.

Em termos de política pública, a gente tem pouca coisa nesse sentido. A gente tem uma Virada na cidade de São Paulo, mas nem sempre essa Virada, ou talvez nunca, tem alguma coisa totalmente direcionada para a terceira idade e isso é importante. Não é só a juventude que pode ser pensada nas Viradas. A possibilidade de troca entre a maturidade, as pessoas poderem se ouvir, se conhecer, se inspirar, encontrar caminhos, de: “Ah, nossa, ouvi a entrevista de alguém que fala de teclado. Puxa vida! Sempre sonhei em tocar violão, acho que eu vou fazer isso. Vou pegar o violão que está encostado lá”. É essa possibilidade de melhorar a qualidade de vida de alguém. Eu também quero influenciar e ser influenciada nesse processo da Virada. Eu acho essencial essa atitude da Virada, de fazer pequenas e grandes Viradas. Mas virar já é muito legal, essa ideia de virar e de virada.

Eu também quero fazer uma ação. Enfim, estou articulando duas coisas que eu acredito que seja bacana que é a questão da beleza e cuidado na terceira idade. As pessoas podem se cuidar, talvez entrando até nesse mundo da maquiagem, mas eu acho que a beleza é uma coisa importante. E tem uma outra ação que talvez seja fazer uma ação em um baile de terceira idade. Meu marido é músico, eu estava pensando em levar a banda para fazer alguma coisa ao vivo.

INSPIRAÇÕES

A primeira história que me vem à mente foi um conto que eu li e que eu acho que me identifico com a personagem. Chama “Uma Lição de Vida” e acho que é de um autor desconhecido. É de uma mulher já com bastante idade e que ela vai ser levada para viver em uma casa de repouso. A pessoa que vai conduzi-la pergunta se ela sente bem para ir, se ela está preparada, e ela diz: “Nossa! Não vejo a hora e estar lá e abrir as cortinas. Eu amo aquela cortina, que eu vou abrir todos os dias. Eu amo aquele lugar!”, então essa história é sobre onde colocar o meu afeto, o meu amor. Eu vou para casa de repouso, então lá vai ser o meu lar, vai ser onde eu vou abrir as janelas, as cortinas, e eu vou amar aquela cortina, porque a minha cortina é a cortina desse momento da velhice. Eu e meu marido escolhemos não ter filhos, e a gente diz: “Bom, vamos juntos para uma casa de repouso um dia”, ou talvez não, não sei, mas se for necessário iremos juntos, mas para viver uma grande aventura. A casa de repouso, não é o fim, é um outro momento.

Além dessa história, eu queria incluir apenas a questão da música. Eu acho que tem músicas que é de uma idade ou talvez de um tempo da velhice, como “Carinhoso”, que podia ser a trilha dessa conversa:

Ah, se tu soubesses

Como sou tão carinhoso

E o muito, muito que te quero

E como é sincero o meu amor

Eu sei que tu não fugirias mais de mim

Vem, vem, vem, vem

Vem sentir o calor dos lábios meus

À procura dos teus

Vem matar esta paixão

Que me devora o coração

E só assim então serei feliz

Bem feliz

Vou tocar isso no teclado! Anote aí! Essa vai ser a primeira! Eu adoro brincar com as coisas e com a vida. E, também, colocar arte nas coisas, na conversa, na vida. Colocar arte em todos os processos para não enrijecer.