Nascida na França, Marie Claire Blatt veio para o Brasil por volta dos 12 anos. “Voltei de novo para França, passei a guerra lá e depois fui para Alemanha. Eu estudei na França, na Alemanha e vim para o Brasil. Aqui eu me senti totalmente desnorteada, porque eu vinha de um país diferente”, contou a embaixadora e entusiasta da Virada da Maturidade, agora com 84 anos. “Com o tempo me acostumei. Meus pais também ficaram e aqui eu casei, tive um filho.”
Depois de uma grande perda, ela conta que precisou se reinventar, e foi no Centro de Convivência da Unibes que começou a escrever suas memórias, participando de atividades da Virada. Na pandemia, Marie Claire deu aulas online e publicou o livro “Ressonância dos Acordes”, que reúne contos e crônicas. “O lançamento do livro foi a coisa mais linda! Nunca pudesse acontecer. Foi maravilhoso! Uma sensação que não sei explicar, uma sensação de vitória, de felicidade, de realização. Foi um momento muito bom!”, contou.
Hoje, ela conta que está curtindo a velhice da melhor maneira possível: “Estou em pleno desenvolvimento”. Ela participa de cursos e conversas sobre cinema, literatura, música, dança e folclore. “Frequento academia e escrevo também. E, para escrever você, tem que sentar e escrever, então não sobra muito tempo.”
Para a embaixadora, o maior marco de todos foi quando o filho nasceu, e o maior desafio, quando ele se foi. “Mas no envelhecimento foram vários momentos muito bons, foram vários momentos de vitória e esses momentos são únicos, eles me dão força para continuar”, afirmou.
Confira os principais trechos da entrevista
MATURIDADE
Eu acredito que o envelhecimento seja aquilo que eu sinto o tempo todo, sinto também libertação. É o momento em que a pessoa pode ser ela mesma. É um momento em que ela pode dizer não, o momento em que ela pode fazer o que ela quiser, quando ela quiser e da maneira como quiser. Ela pode se dedicar a tudo que ela não podia antes, para mim é esta a velhice. Claro que não são tudo rosas, mas a gente consegue sobreviver. Por exemplo, se a gente dançava valsa antigamente, hoje a gente dança meia valsa, porque temos limitações. Se a gente dançava o paso doble antigamente, a gente passa a só dançar um passinho, e é isto para mim a maturidade. Um envelhecimento com amigos, com atividades sociais e, principalmente, atividade cerebral.
DISCRIMINAÇÃO ETÁRIA E O PAPEL DA EDUCAÇÃO
É muito difícil esta questão, é terrivelmente difícil para todos, porque eu sinto essa discriminação ainda hoje. O ensino ao respeito, à compreensão, à interatividade, tudo isso ainda está muito longe de ser perfeito para poder ajudar os idosos. Muitos jovens não sabem, não entendem o que é ser idoso e é uma questão difícil. Mas agora nós temos uma participação no Congresso Nacional do Idoso ativo, inclusive agora está havendo o Encontro do Idoso Ativo. Isso ajuda, mas ainda estamos longe de poder viver sem discriminação.
Eu acho isso muito difícil de explicar, é difícil de trabalhar, porque para isso é preciso haver mais envolvimento na educação. É importante que, cada dia mais, esse tema seja levado em conta, porque afinal todos nós envelhecemos e o interessante seria realmente começar a ensinar os jovens que eles também vão envelhecer. E é muito importante que haja preparo. Não apenas as pessoas que se formam em Geriatria, mas havendo o preparo mais frequente em outras escolas desde o início. É muito importante para o depois, porque eu sofro ainda com essa discriminação e não adianta dizer que a pessoa do outro lado não está preparada.
A Virada da Maturidade, por exemplo, é um ponto importante, mas ele não é constante, e as pessoas, se não forem constantemente lembradas, elas esquecem. Por isso eu digo que o necessário seria que talvez tivesse, desde os primórdios tempos na educação, uma fase para dar maior conhecimento sobre os avós, sobre o envelhecimento. O melhor exemplo é falar dos avós, e talvez através dos avós consigamos ter um respeito maior com os idosos.
PLURALIDADE DE ENVELHESCÊNCIAS
Existem várias fases do idoso, não são todos os idosos que têm a mesma envelhescência. Então é muito importante que isso seja discutido para poder equilibrar a dosagem de ensinamento sobre o idoso. Ninguém envelhece da mesma forma. Todo mundo envelhece de acordo com seu próprio físico, de acordo da sua própria cabeça, de acordo com sua própria necessidade, com as suas classes.
Eu tenho que mencionar isso, infelizmente, mas é assim. Por exemplo, eu não sei se a pessoa em uma comunidade consegue ter o envelhecimento tão bom quanto uma pessoa que tem os meios financeiros mais confortáveis. Isso é um fato que deve ser discutido muitas vezes e, infelizmente, nem todo mundo se preocupa com o envelhecimento das comunidades.
NECESSIDADE DE CONSTÂNCIA NAS AÇÕES
Eu acho a Virada da Maturidade uma coisa excepcional, mas ela dura somente três dias. O velho precisa de atendimento e conforto o ano inteiro. Ele vai passar uma temporada de três dias maravilhosos, mas depois vai voltar a ser esquecido como antes. E se ele não puder produzir, a coisa é mais triste ainda e é para justamente evitar tudo isso que devemos educar os jovens.
Existem várias questões que precisam de um estudo para o idoso, a parte LGBT que também cresce e se torna idosa e para isso ninguém olha. Então eu acredito que seja muito importante que algo seja feito nessa direção. Ações são importantes que englobam todos os idosos. É claro que deve haver uma distribuição, deve haver uma programação, uma organização, mas, no geral, ações que englobam todos os idosos – independente de cor, raça ou credo, porque são idosos e são iguais. Precisamos de uma sociedade que pelo menos consiga dar um conforto mínimo ao idoso.
APROPRIAÇÃO DO ENVELHECER
Eu aceito a minha idade, eu aceito o caminho do envelhecimento. Eu sei que nem tudo pode ser 100%, mas eu fico feliz com aquilo que eu tenho. Eu posso dizer que eu envelheço direitinho. Eu gosto do meu envelhecimento, eu gosto de cada ruga que nasce, porque essa ruga sou eu. Eu não quero mudar, eu quero continuar envelhecendo do jeito que eu estou. Se não vier nenhum pepino no meio do caminho, está muito bom!
HOBBIES E PRAZERES
Antigamente, antes de me aposentar, eu não tinha muito tempo para hobbies. Era muito trabalho, muita viagem e os hobbies ficam em terceiro plano. O que eu não fazia? Tudo que eu faço agora eu não fazia! Eu aproveitei para realmente fazer aquilo que eu sempre gostei. Escrever, ler, tocar meu violão, música, os amigos. E a pandemia me auxiliou muito nisso, porque eu aprendi a conhecer as pessoas através dos quadradinhos (das telas de videochamadas). Eu dei aula de francês na pandemia, isso foi terrível, porque eu não entendia nada de computação. Eu era uma ignorante, mas agora está um pouco melhor.
Hoje eu realmente posso fazer tudo que eu quero, posso me dar ao luxo… É claro, uma pessoa idosa hoje em dia, para poder fazer tudo aquilo que quer, também necessita de uma certa liberdade financeira. Sem essa também não é possível, mas uma pessoa que tem a sua autonomia financeira consegue ter realmente uma terceira idade, um envelhecimento mais favorável e mais bem vivido. Para mim, o envelhecimento é a melhor idade, é a melhor época da minha vida.
LEITURA
Eu gostaria de ter mais tempo para poder ler. Por que não se pode engolir uma pílula da leitura? Não seria bem mais fácil, você engole a pílula da leitura e já leu o livro sem esforço nenhum. Eu gosto muito, mas eu não consigo ler tudo que eu quero. Eu tenho uma pilha de livros, mas eu não consigo ler tudo ao mesmo, porque eu tenho outras coisas para fazer.
VIRADA DA MATURIDADE: UM REENCONTRO
Participar da Virada da Maturidade foi uma experiência única, muito boa! Isso me fez abrir os olhos ainda mais para as necessidades do idoso. Eu queria poder fazer mais para o idoso. Eu também converso muito com idosos e, às vezes, eles se sentem melhor depois. Muitos necessitam ouvir e também poder falar. Esses dois pontos são muito importantes na vida de um idoso – ele precisa se sentir vivo, se sentir ouvido e sentir a palavra do outro.
A Virada da Maturidade me trouxe isso também, porque, quando eu vi os idosos dançando lá, com tanta alegria, eu fiquei também muito feliz. Quando eu vi o grupo de idosos se apresentando, eu fiquei orgulhosa. Pensei: “que orgulho de ter idade, não é?”
É isso que a Virada me trouxe: mais conhecimento ainda sobre o idoso, sobre como ajudar o idoso. São apenas três dias, mas muita coisa pode ser feita em três dias. Isso me deixou bastante emocionada, foi um grande passo. Mas logo tudo isso parou, tivemos que ficar em casa (durante a pandemia de Covid-19). Mas agora é tempo, tempo de reviver, tempo de recomeçar.
Estou representando a Virada da Maturidade, então eu espero poder representar em várias direções. Vou tentar, vou fazer. O meu lema é assim: ”Independente dos anos que estão vindo, vamos continuar vivendo, participando, porque a vida não termina. A gente continua e, se possível, ainda pensando no futuro, porque o ontem já foi, o hoje é isto e o amanhã”. Temos que pensar nisto!
INSPIRAÇÕES
Quando eu penso no meu envelhecimento, eu digo que agradeço a Deus todo dia por mais um dia de vivência. Mas, em geral, eu diria que envelhecer não é uma doença. É preciso aproveitar os dias que ainda sobram e vivê-los de maneira proveitosa. Eu desejo que todo idoso saia de seu aposento e prove o gosto da vida mesmo na envelhescência, porque é muito bom viver e continuar vivendo.